Conversas de Café com… Banco Alimentar
Nos passados dias 30 de Novembro e 1 de Dezembro decorreu mais uma campanha do Banco Alimentar contra a fome. No sexta-feira anterior, dia 29 de Novembro, o Planeta dos Avós deslocou-se até ao armazém do Banco Alimentar de Viana do Castelo para uma conversa de café com o presidente Dr. João Ferreira.
Hoje, já decorrida a campanha, sabe-se que o Banco Alimentar angariou duas mil toneladas de alimentos. A generosidade e a solidariedade dos portugueses é enorme!!
Planeta dos Avós – Bom Dia, Dr. João. Antes de começarmos a entrevista quero lhe agradecer por me receber e por se disponibilizar para esta conversa.
Dr. João Ferreira – Obrigado nós, Banco Alimentar, pelo interesse.
P.A.: Estamos aqui acima de tudo pelo Banco Alimentar e pela campanha que vai decorrer durante este fim de semana [30 de Novembro e 1 de Dezembro]. Mas, para que as pessoas entendam melhor, o que é o Banco Alimentar?
D. J. F.: O Banco Alimentar é uma IPSS [Instituição Particular de Solidariedade Social], é uma instituição de solidariedade social que gere a marca Banco Alimentar. A IPSS no distrito de Viana chama-se Associação de Partilha Alimentar por distrito de Viana do Castelo. A marca Banco Alimentar é uma marca que existe, não consigo precisar, mas sensivelmente há 28/29 anos no país. E é constituída, neste momento, por 21 Bancos Alimentares por Portugal continental e ilhas. O Banco Alimentar de Viana existe há dez anos. Foi criado há dez anos por um conjunto de sócios fundadores, que decidiu trazer e criar a nível do distrito de Viana o Banco Alimentar. Nós temos por missão lutar contra o desperdício recuperando excedentes alimentares para os levar a quem tem carências alimentares mobilizando pessoas e empresas que a título voluntário se associam a esta causa. Esta é a nossa missão. Portanto aquilo que procuramos fazer é gerir todos os bens alimentares que teoricamente seriam para desperdício para fazer chegar a quem necessita deles do distrito. Paralelamente gerimos toda a generosidade da população de Viana, portanto todo o produto colhido no distrito é distribuído no distrito de Viana. A gestão desta generosidade é feita com todos os produtos que nos são doados, seja em momentos de campanha, seja fora dos momentos de campanha.
P.A.: Como é que as pessoas podem contribuir fora das campanhas, durante o ano?
D. J. F.: Em qualquer momento. Um agricultor que tenha um excesso de batatas, seja um saco, seja dois ou três, ou fruta ou eventualmente fruta no pomar que não consiga apanhar se nos oferecer nós arranjaremos forma de ir buscar a fruta. Através de um conjunto de parceiros, nossos voluntários, vamos apanhar a fruta e fazer chegar a quem necessita. Portanto fora das campanhas as pessoas podem colaborar connosco de todas as formas, não só oferecendo géneros alimentares, nomeadamente também oferecendo voluntariado, horas de trabalho, que também são muito importante para nós. Neste momento temos uma equipa de técnicos e colaboradores a trabalhar connosco, digamos assalariados, são três técnicos. Mas tem a ver com a capacidade e a necessidade que temos de resposta. No Banco Alimentar de Viana saíram, ainda não encerramos o ano de 2019, portanto os dados serão de 2018, saíram cerca de duas toneladas e meia de bens alimentares. Produtos que foram anteriormente angariados, em campanhas e por outras formas, sendo uma dessas formas o excedente da indústria alimentar concretamente produtos que estão no limite dos prazos de validade. É importante referir que nunca nenhum produto são do Banco Alimentar fora do prazo de validade. Se sair no limite ou fora do prazo são sempre acompanhados por documentos sanitários que atestam que o prazo pode ser prolongado por mais x meses.
P.A.: Posso comprovar isso. Sei disso muito bem.
D. J. F.: Pois, muitas das vezes os produtos vem, precisamente, no limite e são produtos que a indústria analisa e sabe que é expectável que não sejam consumíveis dentro dos prazos e oferecem ao Banco Alimentar. E nós fazemos chegar quem necessita.
P.A.: Sabe, em média, quantas pessoas ajudam? E Instituições?
D. J. F.: É assim, nós sabemos. Por mês temos um alcance de cerca de 16 mil e 200 pessoas no distrito de Viana. Ajudamos cerca de 90 IPSS’s do distrito. O nosso modo de operação é não dar diretamente a ninguém.
P.A.: Sim.
D. J. F.: Como sabe, nós estabelecemos parcerias com IPSS’s do distrito que avaliam e que estão, digamos, próximas do terreno e das famílias. E o Banco Alimentar fornece os géneros alimentares a essas IPSS’s que os fazem chegar, sob modalidade de refeições ou modalidade de cabazes às famílias.
P.A.: Quais são os principais pedidos de ajuda que recebem?
D. J. F.: É assim, nós gerimos um conjunto de produtos alimentares bastante grande. Agora, aquilo que é, e que são os produtos naturalmente mais caros, são o azeite, o leite, enlatados como o atum. São as necessidades mais presentes e que maioritariamente são solicitadas pelas IPSS’s. Como qualquer família, como as nossas, tem necessidades de todos os produtos. Portanto acaba sempre por ser um leque bastante alargado. Por uma questão de logística e facilidade, o nosso armazenamento, a nossa concentração e as campanhas centram-se num conjunto de produtos que sejam mais fácil a gestão. Fazemos de tudo para que um produto não esteja mais de seis meses no armazém.
P.A.: Hoje o armazém está vazio.
D. J. F.: Exatamente, estamos a falar na véspera de uma campanha. Inicia amanhã. O armazém, posso garantir e a Catarina também está a ver, está vazio. Tanto que nas campanhas, o único produto que nós gerimos o prazo de validade é o leite. E explico, muito rapidamente porquê, todos os outros produtos tem prazo de validade superior a seis meses, exceto o leite. Nunca é um produto que fique mais de seis meses no armazém. A maior parte das vezes fica entre dois a três meses. O leite é controlado nos prazos de validade para que a saída corresponda a prazos mais curtos, naturalmente.
P.A.: Quais são as principais dificuldades do Banco Alimentar?
D. J. F.: [risos] Essa pergunta é interessante. É assim, nós temos muitas coisas boas, que devemos muito à população de uma forma geral e concretamente a parceiros. Mas também temos algumas lacunas. E uma delas é o voluntariado. As pessoas, naturalmente, estão cansadas. Há muitas solicitações seja nas dádivas, seja no voluntariado mesmo. Portanto, a mobilização na altura das campanhas, para as superfícies comerciais é muito importante. Para o armazém também, mas essencialmente para as superfícies comerciais. Nós temos situações em que não conseguimos constituir equipas que assegurem a abertura e o fecho das superfícies nos dois dias da campanha.
P.A.: Tenho plena noção disso. Já fui voluntária. Já estive numa superfície comercial e quando vamos temos de estar preparadas para tudo. Desde ouvir coisas boas a coisas más. Mesmo o ser voluntário também tem as suas dificuldades.
D. J. F.: Exatamente. Mas o Banco Alimentar convida todas as pessoas a nos virem conhecer. Venham conhecer o nosso trabalho e como funcionamos. Depois de saberem como é, aí sim podem falar. Falar bem ou falar mal. Mas deixe-me acrescentar que outra dificuldade que temos, é uma dificuldade de região. Viana está inserida numa região onde não indústria hortícola/frutícola e alimentar. A captação de alimentos é muito limitada. Com as nossas parcerias vamos muito ao distrito do Porto, concretamente à Póvoa do Varzim, como também vamos a Braga. Essa é uma das nossas limitações. Depois outra limitação, não é de todo a mais importante, mas também o é. A localização do armazém, como não tem uma rede de transportes públicos dificulta o acesso aos nossos voluntários. Muitas pessoas manifestam alguma disponibilidade, mas não tem meios de transporte próprios para se deslocarem. E depois temos sempre aquela limitação, embora vamos tendo capacidade de gestão muito rigorosa, que é a do dinheiro. Aquilo que costumamos dizer e os meus colegas de direção: nós não queremos dinheiro. Queremos sim, que nos ajudem a suportar uma instituição. Gostaríamos muito de ter parceiros que nos pagassem o telefone, a água, a luz. O custo da luz é efetivamente uma das nossas preocupações, uma vez que gastamos largas centenas de euros por mês de custo de energia.
P.A.: Fica aqui a dica.
D. J. F.: Temos uma superfície de 50m2 de frio que nos consome bastante. Esperamos, muito em breve, ter uma superfície, bastante mais pequena, de frio negativo para os produtos congelados e ultra congelados.
P.A.: Quais são as expectativas para esta campanha [30 Novembro e 1 Dezembro]?
D. J. F.: As nossas expectativas são sempre otimistas. Porque, vou usar uma expressão popular: “migalhas é pão”. Pouco que seja é sempre muito bom. E, infelizmente, há sempre muita gente a precisar do pouco que recolhemos. A generosidade dos vianenses, no sentido mais lato, normalmente é bastante grande. Portanto as nossas expetativas são sempre aquelas que, de fato, cumprimos.
P.A.: É um bocadinho uma faca com dois gumes. É bom haver tamanha generosidade, mas se o há é porque do outro lado temos pessoas que passam por sérias dificuldades. Infelizmente.
D. J. F.: Sim. Infelizmente é isso mesmo. Não negamos que, são dados, nós temos estado a diminuir nas campanhas a dádiva, a recolha de produtos alimentares. Penso que, na nossa leitura, há várias razões. Há um cansaço, as pessoas estão a ser constantemente bombardeadas por solicitações de dádivas, de outras campanhas de outras instituições. Legitimamente, atenção. Mas a frequência é muito grande. Curiosamente o Banco Alimentar foi das primeiras instituições a fazer este tipo de campanha. Neste momento, fase ao calendário, fazemos duas campanhas nacionais: uma no final de maio e outra no final de novembro. Normalmente somos os últimos. A campanha de amanhã, que vamos iniciar no sábado e domingo, antecederam já outras campanhas. Portanto as pessoas estão cansadas. Também sentimos isso, também somos cidadãos. Depois há outra questão, deixamos de ser novidade. O Banco Alimentar de Viana existe há dez anos, tentamos fazer um trabalho com maior transparência e rigor possível. Os nossos relatórios estão publicados nas páginas da internet. Qualquer pessoa pode consultar. À bocado referi, mas volto a frisar. Ou melhor, o grande desafio que fazemos à população é que venham nos visitar, venham saber como fazemos e depois critiquem nos e ajudem nos, porque a nossa grande preocupação é fazer mais e melhor.
P.A.: Sublinho tudo isso. Visitem o Banco Alimentar, seja o de Viana ou de outro distrito qualquer. Sente, apesar de todo o cansaço que falou, que os portugueses gostam de ajudar?
D. J. F.: Sem dúvida alguma. Isso é inquestionável. Não só os dados o dizem, como temos dados muito concretos que em plena crise, em momentos muito críticos, notou-se essa generosidade. É indiscutível. Concretamente a população de Viana, vemos isso na partilha. Temos gestos, que gostaríamos muito que fossem replicados, por quem tem possibilidades de dar mais. Temos gestos de humildade e partilha excecional. Pessoas extremamente humildes, que até podem passar dificuldades, mas ainda conseguem partilhar o pouco que tem com aqueles que precisam mais do que eu.
P.A.: Isso é muito bonito.
D. J. F.: Isto é mesmo extraordinário e uma realidade. Não estou a dizer nada. Quem trabalha connosco, os nossos voluntários, quer estejam no armazém, quer estejam nas superfícies, nestes momentos de campanha ouvem isso muitas vezes.
P.A.: Neste momento quantos voluntários têm?
D.J.F.: Nós temos, nos dois dias de campanha, certa de 1100 voluntários mobilizados para estes dois dias. Se calculamos uma estimativa de 4/5 horas por voluntário, temos uma número muito significativo. Um volume significativo de horas. Para além disso temos voluntários que vem esporadicamente ao armazém e ainda aqueles que estão presentes de uma forma regular. E de uma forma regular são aqueles, que nós consideramos que vem, mais de dois/três dias por semana. Desses voluntários temos entre dez a doze pessoas. Hoje temos aqui exemplos, temos dois voluntários regulares. Estamos na véspera de uma campanha e estamos a preparar o armazém para que seja possível amanhã às oito horas da manhã tenhamos tudo pronto para receber todas as dádivas.
P.A.: Quais são as perspetivas para o futuro?
D.J.F.: As nossas perspetivas para o futuro é, como nós dizemos, infelizmente existimos. E já que existimos temos de prestar o nosso trabalho com a maior das competências, transparência e com os nossos parceiros. Sempre em parceria. Sempre a trabalhar. Nós não entregamos produtos a ninguém, diretamente. Como já disse o trabalho é desenvolvida com cerca de 90 IPSS’s do distrito. Através delas conseguimos chegar às 16 mil pessoas, por mês. E este trabalho, aquilo que nós prevemos para o futuro é a capacidade de angariação de cada vez mais produtos, de cumprir cada vez mais a nossa missão e de tentar ajudar, efetivamente, quem mais precisa. São de fato muitas pessoas. Mobilizar a todos os níveis. Mobilizar as empresas, instituições que nos possam ajudar. Aquelas pequenas coisas, como referi, a água, a luz, o telefone, o transporte. Mas também mobilizar voluntários. E claro, para a generosidade dos produtos. Para que, de fato, possamos angariar mais para chegar a quem mais precise.
P.A.: Consegue definir o Banco Alimentar em cinco palavras?
D.J.F.: É um desafio interessante [risos]. Mas vou tentar. Talvez o primeiro seja parceira. Acabei de referir agora. Parceria. Responsabilidade social. Partilha. Dádiva. E o grande chavão, solidariedade.
P.A.: Obrigada.
D. J. F.: Obrigado nós. Nós é que agradecemos.
