Conta-me uma História
Vivemos atualmente um tempo diferente. Um tempo em que não se pode sair à rua. Um tempo em que não se podem dar beijos ou oferecer abraços. Vivemos atualmente um tempo em que os idosos devem e merecem ser protegidos mais do que nunca. Vivemos um tempo em que todas as atividades necessitam de ser repensadas para que, mesmo com as limitações do momento, os mais idosos possam desfrutar de momentos lúdicos e que acima de tudo lhes traga recordações dos tempos passados. Assim, os utentes do Centro Social Paroquial de Afife tem recordado alguns momentos das suas vidas, à medida que vão ouvindo as várias histórias que lhes são contadas no momento “Conta-me uma história”. Esta semana o CSPA partilha com o Planeta dos Avós uma dessas mesmas histórias, baseadas em factos reais, que os utentes tiveram a oportunidade de ouvir.
O sonho de menino
Ricardo era um menino rebelde. Gostava muito de fazer as suas brincadeiras. Na escola o que mais gostava de fazer era jogar à bola com os outros miúdos…
Passava horas no intervalo, esquecendo-se por vezes de ir para as aulas. Faltava várias vezes, ou chegava atrasado porque adorava gritar golo! Marcava muitos, mas a bola em vez de entrar na baliza, entrava pelas janelas da sala de aula.
Quando isso acontecia, Ricardo dizia entusiasmado:
– Heya, grande golaço!
Mas depois, tinha de correr para a professora não o apanhar… Usava uma régua grande e grossa, pesada, que deixava nas mãos um grande vermelhão. Pumba uma, pumba duas… à
terceira, Ricardo armado em espertinho retirou a mão e a professora, em vez de lhe acertar, deu em cheio no seu próprio joelho…
Afinal, não tenha sido tão esperto como deveria, porque em vez de três levou vinte palmadas! Às vezes levava também com uma cana na cabeça, quando estava em frente ao velho
quadro de lousa no início da sala e não acertava nos problemas.
Uma altura faltou à escola para ir ao rio com os colegas…
Passou um dia maravilhoso. De manhã, preparou as coisas para a escola. Na verdade, não colocou os lápis nem o caderno que ia na mochila, mas sim uma toalha. Brincou muito no
rio, jogou à bola, deu uns mergulhos, e comeu um pãozito que trouxera de casa para lanchar.
No final do dia, quando voltou a casa, a mãe já estava sentava à sua espera.
– Posso saber onde é que o menino esteve?
– Fui à escola minha mãe – Respondeu Ricardo, mudando completamente de expressão
facial.
– Ainda por cima, faltas à escola e mentes! Achavas que eu não ia saber… a tua
professora falou e disse-me que não foste…Porque é que faltaste? – Diz a mãe, com ar irritado, com a face um pouco vermelha.
– Apeteceu-me minha mãe.
Apanhou a maior porrada da sua vida! Foi assim que se tornou um homem. Aos 14
anitos começou a trabalhar, a ganhar o seu próprio dinheiro que dava à mãe para a comida e para a mesada. Todos os dias se levantava cedo. Trabalhava nas obras, aprendendo com quem sabia da arte. Mas, Ricardo tinha um sonho… ter uma motinha…
Via todos os seus amigos com uma e gostava de poder andar numa também. Pediu à mãe, mas para isso teria que trabalhar… e assim fez durante a sua vida.
Aos 21 anos foi para França sozinho, de autocarro. Quando chegou à fronteira, reparou que não trazia com ele a licença militar…
– E agora, o que faço?
Bem, como era esperto, lembrou-se de sair pela porta traseira do autocarro, enquanto os
revisores entraram pela porta da frente, esperando do outro lado da fronteira. Assim passou, clandestino, livrando-se dos polícias. Esteve lá 12 anos numa firma portuguesa em Saint German.
Mais tarde casou com uma mulher da qual teve duas filhas lindas… e que são o grande amor da sua vida!
Hoje, ninguém sabe se o seu sonho foi realizado e se comprou a mota… o que se sabe é que vive na sua casita, dá os seus passeios, é muito bem tratado e as filhas amam-no.
Hoje, é um homem trabalhador. Comprou o seu carro e agradece a todas aquelas pessoas que o
ajudaram a crescer.





